Entenda a reação dos consumidores para organizar o timing do processo de retomada na sua empresa. Para isso, disponibilizamos nossa estimação de consumo de algumas marcas em vários países, de modo a entender como esse processo deve evoluir no Brasil
Continuando nossa política de tentar contribuir, ainda que modestamente, para que empresas e indivíduos possam se planejar no meio da incerteza trazida pelo COVID e a recessão econômica que se segue, a Teros, pensando na reação dos consumidores e empresas, adicionou uma nova funcionalidade ao Painel de Demanda. Incluímos comparações internacionais setoriais de tendências de venda com países que também tiveram uma epidemia aguda de COVID, permitindo que os usuários comparem o desempenho do Brasil com os países com maior proximidade de comportamento desde a data zero (o dia do primeiro falecimento por conta dessa doença no país).
Como vários países da Europa, Ásia e América do Norte estão dias ou semanas adiante de nós, o comportamento relativo desses países pode ajudar a entender o timing de retomada de cada atividade e, consequentemente, permitir um planejamento mais adequado dos negócios pelas empresas, evitando demissões e medidas desnecessárias.
O comportamento de consumidores e empresários no período da recessão
Ao contrário do que se imagina, o que está acontecendo atualmente com o consumo de empresas e indivíduos é plenamente explicável por comportamentos de stress, refletindo na reação dos consumidores e empresários. Consumidores e empresas sob forte stress e incerteza tendem a se tornar mais conservadores nos seus gastos. Corte de despesas e entesouramento de recursos são os primeiros fenômenos a serem registrados nesse contexto. Esse movimento é evidente nos dados do Painel de Demanda divulgado semanas atrás. Os gastos com cartões, os volumes diários de aporte pessoas físicas em ativos financeiros e a redução no pagamento de boletos são todos fenômenos relacionados justamente a esse processo de entesouramento por aversão a risco.
Figura 1. Pagamentos durante a Pandemia – Brasil
Fonte: CIP.
Todavia, ao contrário do senso comum, isso implica que, para quem não perdeu o emprego ou a fonte de renda, o que se está observando é um aumento muito agudo das taxas de poupança, indicando que há uma classe de consumidores que está ficando financeiramente mais rica por conta da retração da economia. Para ter uma ideia desse efeito, em média as famílias estão poupando alguns bilhões de reais a mais diariamente desde o início da crise, a despeito de que uma parcela significativa da população está passando sérias restrições financeiras.
Mais importante ainda, esse fenômeno se reflete também na composição do gasto. Sob forte incerteza temporal, os consumidores e empresários, mesmo inconscientemente, tendem a tentar minimizar o nível de incerteza com a qual operam em outras dimensões. Isto implica em evitar experiências novas, migrar para marcas mais conhecidas (normalmente as marcas líderes), diminuir o risco de abastecimento (o que explica a corrida ensandecida à supermercados, farmácias ou certas matérias primas) e retomar apenas os hábitos mais consolidados de consumo[1]. Isso ajuda a reduzir a ansiedade gerada pela percepção de insegurança na dimensão futuro[2]. Não à toa, o que se observou no primeiro mês de quarentena no Brasil foi um choque muito desigual de padrões de consumo por setores e marcas, com uma corrida mais acentuada não pelas marcas mais baratas, mas pelas mais consolidadas de cada categoria.
À medida que uma “nova normalidade” vai se estabelecendo, o processo (evidentemente para quem está em situação privilegiada) passa a ser de aprendizado com o novo estilo de vida. E o que se espera – e já se observa – é um gradual relaxamento do processo de entesouramento inicial, mas não para o padrão prévio e, sim, para categorias e bens necessárias para ajustar-se ao novo padrão de vida[3]. Observamos no Brasil atualmente um aumento do consumo de vinhos (mas queda no de cerveja), uma gradual reaquecimento das vendas de produtos eletrônicos relacionados à casa (houve uma explosão de vendas de aspiradores verticais, freezers e, nesta última semana, nota-se um incremento da venda de TVs) e de produtos para o cabelo (substituindo serviços), mas normalmente com um mix mais sofisticado do que se observava previamente.
Figura 2. Evolução do interesse de compra por diferentes marcas
Em contrapartida, o consumo de supermercados e drogarias vai se normalizando (e pode ter algum downshooting nos próximos meses) à medida que o medo de desabastecimento ou do desconhecido vai dando lugar a um novo hábito de consumo e a esse certo relaxamento relativo.
Figura 3. Evolução do interesse de compra em hipermercados
Após esse ajuste no consumo para adaptar-se aos novos hábitos de vida, ainda em curso, as próximas ondas esperadas no comportamento individual para a classe média que não perdeu sua fonte de renda são mais ou menos claras: uma certa fadiga em relação ao novo padrão “forçado” de vida, com tendência a dar-se certos “luxos” para compensar a insatisfação momentânea (evidentemente mais forte entre as famílias que aumentaram sua riqueza financeira e estão “relaxando” a restrição inicial[4]), e ajustes mais estruturais no perfil consumo em direção a consolidação dos novos hábitos (e deslocamento de bens na hierarquia de consumo pré-existente)[5].
Experiências de crises anteriores (MERS, SARS) mostram que algumas categorias voltam rápido ao padrão de consumo anterior. Mas tendências pré-existentes se consolidam como novos normais. Isso não só sugere que e-commerce, deliveries e pagamentos e atendimentos digitais tendem a observar um novo patamar mais alto de consumo pós pandemia, como passagens aéreas ou transporte coletivo devem retomar em patamares menores pós COVID.
Timing do processo
Evidentemente, esse processo de composição do consumo depende de uma variável chave, que é o próprio stress das famílias e empresários. Em um cenário em que a recessão se prolonga – e há vários sinais indicando isto –, o processo de incerteza pode ter novos picos e retrair esse processo de relaxamento que aqui mencionamos, re-injetando incerteza na equação das famílias e empresas (vide o exemplo do Japão no Painel). Isso faz com que o comportamento de consumo tenda a ser muito diferente entre classes sociais, segmentos da população (sobretudo relacionado à atividade econômica exercida) e localidade, adicionando complexidade na gestão da crise pelas empresas.
Em especial, diferentes localidades estão se defrontando com situações muito distintas em termos de impacto da COVID – econômico e sanitário – e formação de expectativas. Distrito Federal e estados como Goiás, Mato Grosso, Tocantins e vários outros têm passado relativamente bem pela crise sanitária e pela retração econômica[6]. E implica que o processo de retomada da economia e do consumo deve ter um componente de desigualdade em proporções inéditas em termos geográficos e setoriais, definindo padrões distintos cidade a cidade. A China é a melhor evidência internacional nessa direção.
Em cidades mais afetadas[7], a recessão tende a gerar uma quebra do volume e do mix de produtos vendidos, ao passo que nas cidades que relativamente se saírem melhor, o desafio das empresas será o de consolidar o novo mix mais nobre de marcas que se observou no primeiro movimento da pandemia para tentar preservar margens ou mesmo a viabilidade do negócio. O mesmo vale para serviços e perfil destes oferecidos em cada localidade, com o agravante de que em várias atividades será necessário reinventar o processo de oferta dessa atividade.
Preparar-se para esse movimento é o melhor que as empresas podem fazer para minimizar o efeito da pandemia, adotando estratégias defensivas de preço nos locais de maior impacto (maior recessão) – até para oferecer suporte às pessoas nos locais mais atingidos – e estratégias de pricing de experimentação e fidelização nas cidades melhor posicionadas, permitindo preservar margens médias no longo prazo via composição (portfólio).
Nesse contexto, um aspecto que pode ajudar a reduzir muito o nível de risco e a ansiedade associada a um processo de crise é entender um pouco o timing dessa retomada em cada atividade, que também tende a ser muito desigual. É isso que incluímos nesta versão do Painel, com o International Panel. Nesta tela, permitimos que se acompanhe dia a dia a variação na composição de interesses e consumo em outros países desde o dia zero (dia do primeiro falecimento por COVID) das respectivas crises[8]. E, como esperado, notamos que há grande semelhança nos comportamentos psicológicos dos consumidores entre países, o que pode ajudar a delinear quais serão essas mudanças e em que velocidade.
A conclusão é que há uma retomada iminente ou já em curso de consumo em alguns segmentos. Por exemplo, observa-se que houve um incremento de curto prazo no interesse por marcas como Samsung e Apple nos últimos dias. E este processo parece ter se repetido no Japão, na Alemanha ou na Bélgica, sugerindo a) que o processo no Brasil ainda não chegou ao seu ápice; e b) que esse processo deve se estabilizar, configurando-se um movimento de curto prazo.
Figura 4. Evolução do interesse de compra por marcas: Iphone e Samsung
Brasil
Comparação Iphone com países próximos
Na verdade, o que esse dado mostra é justamente o processo de relaxamento e de concessão de certos luxos pelas pessoas, nos termos acima mencionados. E salta aos olhos tendência a bens de melhor mix, já que a despeito do lançamento do novo Galaxy pela Samsung no período, fica claro o crescimento também de Apple (cuja linha é menos ampla – mais focada no público premium).
Outros exemplos foram incluídos no painel, para que empresários observem exemplos mais próximos das suas respectivas realidades. Infelizmente não conseguimos disponibilizar milhares de marcas ao mesmo tempo. Mas esperamos que o acompanhamento desses setores em vários países possa oferecer um norte para o planejamento de cada um.
A Teros seguirá extraordinariamente atualizando o painel e abrindo outras soluções para clientes e não clientes nas próximas semanas sempre que entender que o produto pode, de alguma forma, ajudar as empresas a melhor planejarem-se e a reduzirem demissões e o impacto de longo prazo desta crise, compartilhando o nosso conhecimento de pricing, analytics e economia comportamental com quem precisar de ajuda neste momento. É a nossa pequena contribuição.
Texto de Juan Ferrés – Fundador da Teros
[1] Vide Oliver e Wardle (1999); Ham e Steigwarld (1999) Wallis e Hetherington (2009); Brandstatter and Guth (2000), entre dezenas de outros estudos sobre o tema.
[2] Note que pontualmente no Brasil e de modo mais acentuado nos EUA, esse movimento gerou uma corrida a bancos pela busca de papel moeda (e no caso americano, combustível). Esse tipo de comportamento é um exemplo de aversão aguda à risco em um cenário de forte stress.
[3] Observa-se no painel covid.terospricing.com.br que o pânico inicial deu lugar a um novo patamar de demanda e produção que gradualmente está sendo relaxados.
[4] Note que os “luxos” são relativos e não referem-se necessariamente a bens de luxo.
[5] Note-se que se a análise muda muito se estamos falando de bens populares ou focados em segmentos da sociedade cuja renda foi fortemente impactada pela nova dinâmica social. Esta análise centrou-se no consumo médio do país.
[6] Em breve, a Teros disponibilizará alguns dados regionais de atividade para ilustrar esse processo.
[7] Note-se que a crise afeta muito mais o modo de vida de cidades grandes do que das cidades menores.
[8] Usamos para tanto marcas de uso global com dados processados baseados por algoritmos da Teros a partir de dados de diferentes fontes.